Peter Evans
Ghosts
CD
More is More Music 2011
Peter Evans provoca-me sempre um conflito entre o deslumbramento pela impressionante técnica e a interrogação quanto às propostas. A primeira vez que o vi tocar, na Gulbenkian, a solo, a sensação que tive foi a de um verdadeiro número de circo: ao longo de mais de uma hora o músico não cessou de revelar as suas habilidades no trompete, para além de tudo o que seria imaginável.
É sabido como o excesso é a maior das tentações dos virtuosos mas, diriam outros, também o seu privilégio. Essa impressão foi contrariada ou confirmada por diversas outras vezes, em contextos diferentes. Ao vivo, também na Gulbenkian, à frente do seu grupo, com uma música de grande rigor conceptual, e mais tarde com Evan Parker onde oscilou entre a contenção (quando interpretava uma pauta) e o desbragamento (nos solos). Em disco, também a sua prestação oscila para os meus ouvidos, entre o pior e o melhor.
Ghosts é o disco de estreia da sua label e um bom exemplo do que atrás descrevi; ainda assim para melhor. O melhor são os temas onde Peter Evans parte de uma melodia pré-existente, a saber “One to Ninety-Two”, uma canção de natal popularizada por Mel Tourmé e Nat King Cole; “Ghosts”, retirada de “I Don’t Stand a Ghost of a Chance with You” de Bing Crosby; e “Stardust” de Hoagy Carmichael. Menos inspirados são “323”, “The Big Crunch” ou “Articulation” – onde o quinteto parece estar por vezes perdido – reencontrando-se em “Chorales”, um curioso bop que se vai transformando lentamente num loop saído da música repetitiva contemporânea.
Outro dos perigos que Peter Evans gosta de correr (é geracional, dizem) é o live processing, que aqui consegue nota positiva em metade dos temas, revelando especial asserto em “One to Ninety-Two” ou “Ghosts”.
Peter Evans é um trompetista fulgurante e esta foi uma boa surpresa para os meus ouvidos. Quero acreditar que Peter Evans vai ultrapassar a doença infantil do experimentalismo, mesmo sem deixar de correr riscos.
Nota positiva também para a prestação de Jim Black, como há muito não o ouvia. A minha classificação tem em conta apenas os três quase-standards citados e um elogio à irreverência.
Peter Evans (t)
Carlos Homs (p)
Tom Blancarte (ctb)
Jim Black (bat)
Sam Pluta (elec)
(Este texto foi publicado em Jazz 6/4 #13)